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Perdi-te sem nunca te ter tido.

Perdida. Sobriamente perdida. De todas as vezes em que me vejo ao espelho sinto que continuo perdida. Perde-se tanto e tanto do que não se perde, parece inevitavelmente querer sumir. Não sei para onde vou, o que faço aqui e deparei-me a ter de saber o que não cabe em mim. Ter de aceitar que foste embora, sem que ao menos viesses. Não sei. Não sei ao certo porque me mantenho assim, mas sei que serias a minha maior alegria nestes dias. Eras a esperança. Queres que te conte? Serias Madalena, ou quem sabe Duarte e eu? Bem, eu seria muito mais feliz contigo na minha vida. Acredita que seria a melhor madrinha do mundo, ah, eu posso jurar-te. Passei horas a ver roupas e brinquedos para poder condecorar-te. Dar-te-ia o mundo, inclusive o meu. Há, confesso, uma parte de mim que pensa constantemente em ti, como se ter-te no pensamento fosse como ter-te na vida real.. Não é, e não sei até ponto estou prepara para ser madrinha de alguém quando esse alguém não és tu. É idiota, Madalena? Diz-me. D...

Pior que a morte.

Esquizofrenia. A minha irmã perguntou-me o que era. Respondi-lhe uma espécie de verdade distorcida, para em mim não doer. "É algo que leva o teu ser e não to trás mais..." "Então é como a morte?!", questionou-me receosa. Acenei-lhe, tentando evitar dizer-lhe que era um pouco pior. Quando esta leva, sabes que não voltará, mas a esquizofrenia é algo mais. É tê-lo ali, tão perto e não lhe poder tocar ou sentir, porque já não é o mesmo. É um corpo sem alma, que só passeia a doença. Não está morto, não. Mas vivo também não está. Deambula sem destino. Não houve falar em ritmo, o compasso é abstracto. Não lhe falem de força que pensa logo que o achamos fraco. E foste apanhado por ela. Assim tão indefeso. Chegou um momento, em que ninguém sabe mais o que vês, muito menos o que sentes. Costumava conhecer-te, mas hoje, oh hoje. Deliras, com ideias falsas mas convicções absolutas. Que ninguém to negue nunca, porque sabes o que dizes, não é? Queria acalmar-te, resol...

O meu amigo imaginário era um avô.

Lembro-me perfeitamente dos dias em que sonhava com o nosso encontro num mundo real. Confesso que sempre fui uma sonhadora e que espera ansiosa pelo dia em que te iria encontrar. Era tão complicado para mim ouvir todas as minhas colegas da primária comentar o amor que sentiam pelo avô e eu não poder sequer opinar. Então diz-me porquê. Porque nunca surgiste? Eu não me importava com a tua maneira de tentares convencer-me a jogar futebol, sei que não era culpa tua, afinal ninguém teve a capacidade de te oferecer um neto crescido e presente, também não me importava dos inúmeros rabos de cavalo fracassados que tentavas fazer nos meus longos cabelos. Queria apenas uma presença. Queria apenas a tua presença. Perdoar-te-ia todos os erros que cometeste com a avó. Perdoar-te-ia o facto de te manteres ausente sem motivo. Queria apenas a tua presença. Uma presença que de tão presente pudesse fazer sentir-me confiante no futuro. Eu não sonhava com alguém a quem pudesse chamar de "avô". Eu...

O teu tempo é contabilizado pela forma como o aproveitas.

Parecem só segundos. Parece uma mera contagem de um tempo que nada alterará. No entanto, poucos segundos podem mudar tudo. Há, de certo, algo intelectual que eu podia dizer sobre o tempo. Sobre a influencia de este ou aquele factor. Sobre a distinção de amigos, colegas e pessoas passageiras, sobre o que todas elas têm em comum. Mas só quero pedir-te que tenhas atenção aos segundos. A cada um deles. A cada olhar que passa despercebido. A quem te sorri no refeitório da escola. A cada gentileza escondida, a quem caminha mais devagar para te dar o lugar na fila do supermercado, a quem te segura a porta do centro comercial para que possas passar também. A cada "estás bem?". São segundos. Nada mais que segundos. Apenas isso, uma fracção de tempo em que podes começar ou acabar com tudo. Não te peço que olhes de forma diferente quem te dá um segundo do seu dia. Peço-te apenas que os olhes. Que faças de cada gesto uma corrente, um ciclo. Que tires dos melhores e dos piores exemplos, ...

É o que tens agora e não tinhas dantes ou o que não tens agora mas já tiveste um dia?

Li nos documentos de psicologia que, às vezes, a perda involuntária de tudo o que nos rodeia nos afecta de uma forma inigualável. Essa perda foi totalmente culpa tua e suponho que isso te deixou nesse estado de calamidade. Mas, por favor, faz-me entender aquilo que não vem nos documentos de psicologia. O que se passa contigo, tio? Não espero pelas tuas respostas, assim como nunca esperei que acordasses num dia de Inverno com um sol ligeiro e tudo isso estivesse irremediavelmente corado. Eu sei que há muita coisa que não sabes e outras que consideras saber de cor. Mas quero contar-te uma coisa e farei como tu me fazias à alguns anos atrás, quando tinhas tudo o que já não tens. Deito-te na cama, sento-me à beira dos teus pés, pego num livro ao acaso e leio os meus pensamentos como se eles ali estivessem escritos e ilustrados. Digo: "Perdoo tudo o que nos disseste e tudo o que disseste de nós. Não importam as pessoas que deixaste escapar, nem quantas delas ainda se importam com a p...

Recordar mata.

Dizem, por fim "Recordar é viver.." e eu recordo. Lembro-me das manhãs de Inverno, as tantas que aí passámos, o Bruno balançava-me na cama e chamava-me baixinho para que acordássemos enérgicos e fossemos tratar daquilo que achávamos poder ser o nosso futuro. Os cavalos. O Texas era sempre menos impulsivo e o Kid sempre mais... Mais como eu, digo. Lembro-me de cada aniversário, desta vez em manhãs de Verão, começávamos de cedo a procurar pelas ruas da pequena aldeia as mais belas flores, embrulhávamos caules em alumínio e esperávamos que não notasses a quantidade que gastáramos. Fazíamos os cereais para a tia e o café quente para o tio. Subíamos as escadas em caracol e corríamos para a única porta sem maçaneta por dentro, saltávamos para a cama e ali ficávamos apenas no entretém dos saltos. Lembrar-me-ei sempre do sorriso natural que recebíamos mesmo quando sabíamos que em seguida ouviríamos uma pequena palestra sobre "não apanhar flores vivas se as vamos deixar morrer...

«Vivo num país onde a pobreza está legalizada»

É medonha. É medonha a indiferença humana. Medonha a descrença no mendigo que só precisa da hipótese que todos lhe negam. É medonha a desvalorização do próximo, só porque é o próximo e não o próprio. São medonhas, as pessoas. Medonhas, ainda mais, as suas atitudes. Contesto. Contestarei sempre. E não entendo quem não se contenta com o pouco que tem, sabendo que há quem tenha menos. Tu vives, mas há quem não coma e sobreviva do pior jeito, do jeito que dá. Mas ainda assim, não contestas. Calas-te e vives bem com o teu silencio interior. Vives melhor ainda com o teu silencio exterior. Abres a boca para comer, fechas a boca para mastigar. Abrem a boca para gritar, fecham a boca porque ninguém os ouve. Nem tu! Não ouves os gritos de quem te pede ajuda em silêncio? Não vês nos olhares dos mais fracos? Não percebes quantos dos teus cêntimos podem parecer milhões nas mãos de quem não vê a sopa que comes há tanto tempo quanto um cego não vê as cores? É desumano que digas que não sentes nada. ...