É o que tens agora e não tinhas dantes ou o que não tens agora mas já tiveste um dia?


Li nos documentos de psicologia que, às vezes, a perda involuntária de tudo o que nos rodeia nos afecta de uma forma inigualável. Essa perda foi totalmente culpa tua e suponho que isso te deixou nesse estado de calamidade. Mas, por favor, faz-me entender aquilo que não vem nos documentos de psicologia. O que se passa contigo, tio? Não espero pelas tuas respostas, assim como nunca esperei que acordasses num dia de Inverno com um sol ligeiro e tudo isso estivesse irremediavelmente corado. Eu sei que há muita coisa que não sabes e outras que consideras saber de cor. Mas quero contar-te uma coisa e farei como tu me fazias à alguns anos atrás, quando tinhas tudo o que já não tens.
Deito-te na cama, sento-me à beira dos teus pés, pego num livro ao acaso e leio os meus pensamentos como se eles ali estivessem escritos e ilustrados. Digo:
"Perdoo tudo o que nos disseste e tudo o que disseste de nós. Não importam as pessoas que deixaste escapar, nem quantas delas ainda se importam com a pessoa que ficou, no caso, tu. Não ligo para o que dizem as bocas alheias, achando-se senhoras da razão e pedindo por tudo que te internem. Talvez. Talvez o devêssemos fazer. ou talvez devêssemos primeiro saber. Saber simplesmente, o que pensas, o que sentes. Talvez apenas precises de alguém que te deite na cama e se sente aos teus pés. Tu deitas-te fora o meu mundo perfeito. No entanto, eu perdoo. Perdoo os dias que estragaste, as noites de pesadelos que me ofereceste. As lágrimas que abandonaste e não mais secaste com aquele abraço. Houve uma parte da nossa relação que morreu e talvez nunca mais volte a nascer. No entanto, sabe que te perdoo. Não posso de todo esquecer, porque sempre que te vejo deitado sem ser na cama que te deitamos tu me trazes à memória a vida estragada. Mas perdoo. E se todas as histórias que me contavas sobre os animais encantados do boste tinham uma lição depois de um final feliz, eu quero que saibas que a história só acaba quando lhe mudares este final."
Sinto-me ligeiramente impotente e inútil perante tantas dores causadas por uma só história. Queria poder acabar com aquela mágoa que a avó carrega no peito e com o constante nervosismo de todos perante outra possível alteração comportamental. O dia-à-dia é contado ao segundo e de facto todos os segundos contam.

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