Rio de rir.


Rio. Talvez a palavra com um dos mais lindos duplos sentidos secretamente interligados. Tanto a naturalidade de um riso como a transparência da água me fazem sentir mais viva. Fazem-me contar os ronronares que teimo em fazer, sem notar, quando solto gargalhadas verdadeiras e perder a conta às pedras achatadas que saltam sobre o manto de cor incolor. Mas entre o nome e o verbo, prefiro aquele que se altera conforme as circunstâncias. Eu ria, rio, rirei. Por volta dos meus 4 anos, eu gargalhava pelas borboletas que voavam tão atrapalhadas quanto um barrigudo que saíra da taberna mais imunda que encontrara. Eram tão despistadas, tão avarentas. Perdidas e sem rumo. Aprendi, portanto, desde cedo, a rir do que não tem lógica. Quem no seu perfeito juízo ri de algo que está, literalmente, perdido no ar? Penso, posteriormente, na hipótese de ''perfeito juízo'' não ser uma característica tipicamente minha. Talvez seja apenas algo que as pessoas usam para justificar o facto de que, para elas, rir de tudo é loucura. Prefiro, acreditem, eu cá prefiro rir a ter um juízo detalhadamente perfeito. Rio porque rir me refresca, parcialmente, a alma; porque cria em mim um lado mais meu; porque me faz sentir mais leve, como se as gargalhadas acumuladas nas bochechas pesassem no corpo inteiro; porque é a mais bela comunicação universal, nunca necessitará de um idioma concreto e lógico. Rio porque rir não precisa de ter lógica. Dane-se, aliás, ria-se quem não concorda com tal afirmação. Há dias em que nos caiem mil lágrimas sem que consigamos identificar um único motivo. Dias esses em que nos sentimos tristes sem resposta a um porquê, inúteis sem necessitar de ser útil, incompreendidos sem nos compreendermos primeiro. Somos, por si só, borboletas atrapalhadas. Lágrimas rolam sozinhas e dormimos chorando sobre a almofada de mil tons que parece ter perdido a cor, naquela noite. Porque não o fazemos com o riso? Não quero tornar a capacidade de sorrir uma coisa banal. Quero apenas que soltem as gargalhadas acumuladas nas bochechas à demasiado tempo.

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