À minha melhor amiga.
Eu sei. Hoje é um dia muito especial para ti. Sei que será o
primeiro ano em que não poderás sentar-te ao meu lado na aula e pedir-me
baixinho que não te cante os parabéns lá no meio do átrio da nossa escola. Desta
vez, não o farei, eu prometo e não imaginas o quanto lamento por não o poder
fazer. Durante os últimos 5 anos, eu tive de lidar contigo todos os santos
dias, mesmo quando o teu sistema nervoso estava ligeiramente descontrolado e a
minha paciência tinha sumido por completo; mesmo quando eu contava piadas secas
e tu me chamavas de ‘parva’ mas depois não evitavas rir, provavelmente nem era
da piada, mas eu preferia sempre achar que sim; mesmo quando as ‘pessoas
adultas’ achavam que não passávamos de duas crianças e nós, armadas em
crianças, ofendíamo-las carinhosamente. Eu aprendi a lidar com a tua teimosia,
com o teu mau feitio, com aquela tua mania estúpida de seres organizada e
apontares sempre tudo aquilo que eu não sabia, com o teu ódio natural por tudo
aquilo que eu adorava, com a tua facilidade a perdoar o imperdoável, com o teu
amor por um chinês, com a tua mania de não distinguires o significado de
palavras tão importantes como ‘melhor amiga’ e até com o teu orgulho, com o teu orgulho
irritante. Se me perguntares se estou arrependida, eu pensarei cinco vezes
antes de responder, mas quero que saibas que as hesitações não mudam a
resposta. Não. Eu não estou arrependida. Foi, provavelmente, uma das melhores
coisas que fiz até hoje. Tu és aquela força que me dá força só pelo facto de
existir. És a primeira pessoa em que penso quando algo de novo acontece na
escola. És como o vento que sopra as velas do meu barco ou como uma estrela
guia que me indica sempre o norte. És quem eu sei que levarei para o resto da
vida. És das poucas pessoa em que confio de olhos vendados e pés atados. Tu és
aquele teste difícil que muitas das vezes eu tenho dificuldade em resolver, mas
és, simultaneamente, a minha melhor nota. Enquanto aprendia a lidar com todos
os teus lados negativos, ia-me moldando e completando com tudo o que me
ensinavas em relação à conjugação do verbo viver. Aprendi a ser mais pacífica e
tranquila; aprendi a rir do vento e a brincar com a chuva; aprendi a cantar
desafinada sem me importar com as notas que não eram alcançadas; aprendi a dar
mais valor a tudo o que julgava ser inútil; aprendi a ser menos tímida, ou
talvez, a ser mais ‘eu’; aprendi que melhor amiga não é quem dá a mão para nos
erguermos de novo ou quem bate na pessoa que nos fez tropeçar, é quem ri da
queda e sem saber nos motiva a levantar; aprendi a não me importar com o que
não tinha qualquer importância e melhor que tudo isso, foi que aprendi que
quando nós abdicamos do orgulho para dizer ‘eu sinto a tua falta’ mostra que
temos muito mais do que aquela frase a dizer. À cerca da falta que sentia, eu
disse tudo nas entrelinhas e parecendo que não, estava ali escondido algo
enorme: “Eu estou disposta a esquecer que sou uma pessoa orgulhosa apenas para
te vir dizer que não sei conjugar o verbo viver sem a tua ajuda, porque nunca
fui boa com verbos e o português não é o meu forte. Estou disposta a admitir um
erro, que talvez não tenha sido meu, apenas para poder sentar-me ao teu lado numa
dessas cadeiras do Vivaci e podermos rir. Podermos rir de novo. Estou disposta
a ignorar as palavras que disseste, as pausas e hesitações que impuseste, as
virgulas que substituíste por pontos finais, sem sequer pensares nos parágrafos
que eu estava a passar a limpo. Estou disposta a esquecer tudo isto e encher o
depósito da paciência, desde que tenhas uma conversa séria com o teu cérebro.
Também estou disposta a conversar com o meu, se for necessário. Estou disposta
a correr atrás do autocarro de uma banda que sou obrigada a ouvir, por tua causa,
apenas para poder ganhar um autógrafo para ti. Estou disposta a abdicar de
todos os meus sonhos para te ajudar a realizar os teus. Estou disposta a perder
a fome se entrares em dieta. Estou disposta a deixar de ir àquela festa se te
apetecer ficar em casa. Estou disposta a viajar para Lisboa para te ver jogar
nos nacionais e mais tarde apanhar um avião com o mesmo destino que o da equipa
nacional, levando comigo um enorme cartaz com o teu nome. Estou disposta a
deixar bem claro que és a minha melhor amiga. Não a da tua gémea, da Sónia, da
Carolina, da Adriana, da Margarida, da Francisca, da Rita ou do cassete. És a
minha melhor amiga e estou disposta a continuar a afirmá-lo sempre de braços
esticados e com o cartaz no ar, mesmo que, no fim, nada ganhes. Estou disposta
a esquecer todas as falhas que tivemos, os erros que cometemos, as asneiras que
dissemos. Estou disposta a fazer qualquer coisa que te faça ficar. Só não estou
disposta a perder-te, por isso, podes até deixar-me sentir a tua falta, mas
fica por perto. Não vás embora, porque se fores eu não saberei conjugar mais
verbos.”. Confesso que têm sido dias complicados, não só pelo facto de estares
tão longe, mas essencialmente porquê me lembro de ti imensas vezes. Há dias em
que oiço piadas sem graça pelos corredores da escola e me lembro do quanto
irias rir se ali estivesses, em alguns desses dias consigo até ouvir a tua
gargalhada baixinha. Talvez a isso se chame loucura ou quem sabe isto seja a
real amizade. Foste a maior lição que eu recebi. És sempre tão tu e quando o
teu mundo desaba e ninguém nota, tu continuas a ser tu mesma, como se não
houvesse por aí um salto agulha que te ferisse o coração. Eu consigo ver e
talvez isso seja o que mais me custa por estar tão longe. Agora não há ninguém
por aí que olhe por ti da forma como eu tentava olhar. Mas posso jurar-te que
no fim do dia eu estarei lá, esperando que te deixes desabar e prometo que se o
meu português falhar e os verbos não coincidirem, eu reconstruirei as frases
vezes sem conta até que elas te confortem... Passarão 2 anos e com o passar do
tempo, notaremos que 10 anos voam e daremos por nós a dizer ‘Ah que saudades do
5º ano.’. Iremos mudar de escola de novo e eu sei que o nosso apartamento será
partilhado da melhor forma. Mais tarde, iremos encontrar um emprego na área que
queremos mas haverá de certo um dia da semana em que guardaremos dois minutos
da hora de almoço para irmos beber um chá. Constituiremos cada uma a sua família
e num fim de tarde perto do Natal, iremos visitar o mesmo supermercado e
encontraremo-nos, por acaso, na fila da caixa, tu dirás que tens a minha prenda
em casa e eu irei lembrar-me, nesse exacto momento, que era o teu nome que
faltava na lista de prendas a comprar. Vê bem, tudo estará igual, pequenas
diferenças, mas a essência continua ali. E em qualquer um desses dias, nós
iremos olhar uma para a outra e mesmo sem que nenhuma palavra se oiça, iremos
rir. Ninguém saberá. Ninguém além de nós. Posso jurar-te que isso será o que vou
dizer à minha filha quando eu entrar no carro e ela me perguntar como é que eu
percebi que tu eras a minha melhor amiga. Contar-lhe-ei todas as vezes em que
nos sentamos no chão a brincar com uma pedra cinza e um pau de madeira, todas
os jogos que fizemos com uma lata e uma poça de água, explicar-lhe-ei tudo o
que aqueles olhares queriam dizer e além disso, lembrar-me-ei de lhe mostrar
todas as pequenas coisas que me ofereces-te, desde os textos aos desenhos e sem
nunca esquecer as nossas conversas em redes sociais. Irei contar-lhe as piadas que
te contei quando estavas em baixo, as pequenas conquistas que fizemos juntas,
os jogos de voleibol que tentamos a todo o custo vencer e os torneios de badminton
que acabamos por participar. Irei dizer-lhe coisas que nunca te disse. Vou
dizer-lhe o quanto me orgulho de te ver seguir o desporto que tanto gostas e a
esperança que deposito em ti, todos os sábados. Vou mostrar-lhe todos os
recortes de jornais em que apareceste quando foste aos mundiais e lá estarei
eu, com um cartaz erguido a torcer por ti. Contar-lhe-ei que sempre mereceste
mais do que o que recebeste e eu odiava o facto de não conseguir dar-te o que
ninguém te dava. Provavelmente nesse instante, não virei a estrada de forma tão
nítida quanto gostaria e irei encostar o carro, olhar para o banco de trás onde
ela está sentada ainda a ouvir-me e direi baixinho: “Eu percebi que ela era a
minha melhor amiga quando conjuguei o verbo viver no presente e entendi que não
poderia viver sem ela no futuro.” Esse dia ainda não chegou e hoje é só mais um
aniversário dos muitos que virão, então antes que aquele dia chegue, eu quero
que saibas que entendi que tu eras a minha melhor amiga quando te via mal e o
mundo caia aos meus pés; quando comecei a odiar quem te odiava: quando deixava
de sentir os batimentos cardíacos quando te via aflita. Percebi que eras a
minha melhor amiga quando passar as férias de verão longe de ti, era pior do
que ir às aulas; quando sentia um nó na garganta por não te guardar um lugar na
fila do refeitório; quando ficava perdida nos corredores da escola nos dias em
que faltavas; quando ninguém falava mal das outras pessoas comigo. Percebi que
eras a minha melhor amiga quando deixei de te chamar melhor amiga e comecei a
chamar-te ‘atrasada’; quando pensar na hipótese de viajar e não te levar ficou
fora de questão; quando te vi sorrir por eu ter conquistado algo mesmo que isso
significasse que tu havias perdido. Tu és sem dúvida das mulheres com o maior
‘M’ que eu conheço. És a dona do sorriso mais lindo e sincero que alguma vez
vi. És a coragem, a generosidade, a paz e a alegria representada na perfeição
na figura humana. És uma mistura de tudo de bom com uma pitada de algo de
errado que te torna a melhor. És tudo aquilo que qualquer rapariga sonha em
ser. Boa amiga, boa filha, boa irmã e serás de certo, uma boa namorada e uma
boa mãe. És das melhores pessoas que eu conheço. Das poucas que tem o dom de
falar tudo o que deve e tudo o que não deve e de nunca aceitar calar-se quando
sabe que está a fazer a coisa mais acertada. Acho isso incrível. És destemida,
mas um sopro mais forte que o normal pode desequilibrar-te com a máxima facilidade.
És como o sol, apareces e deixas qualquer pessoa feliz, é isso que me faz
acreditar que vais certamente encontrar o rapaz certo para ti. Eu posso até
jurar que de um dia para o outro irá aparecer ou reaparecer alguém que consiga
arrancar-te uma gargalhada quando o teu mau humor estiver prestes a subir ao
trono. Se alguma coisa falhar e ele não encontrar o caminho até ti, eu irei ter
de certeza um quarto só teu no meu pequeno apartamento, onde até ali só vivia
eu e o meu cão. Eu prometo que tu nunca vais ficar sozinha. Nós ficamos por
ali, no meu apartamento com o meu cão. Eu sei lavar a loiça e tu sabes
cozinhar. Então, estará tudo bem. Nós viveremos felizes ali. Só nós. Como nos
contos de fadas, mas sem príncipes encantados. Para sempre. Vamos fazer rapel,
para-quedismo e queda livre e quando os nossos pés voltarem a pisar o chão
firme, diremos que é por isto que a viver vale a pena. Vamos passar noites
inteiras em discotecas, dançando como se ninguém nos estivesse a ver. Vamos
mascarar-nos de qualquer coisas idiota, como um cachorro quente ou uma fatia de
pizza, e ir para o meio da rua mais movimentada da cidade apenas para fazer-mos
de emplastro nas fotos dos turistas. Vamos ter a casa toda desajeitada até que
a tua organização fale mais alto. Vamos mandar vir pizza sempre que a preguiça
nos dominar. Vamos tirar fotos absurdas na esperança que algum dia elas fiquem boas
o suficiente para o tumblr. Mas a cima de qualquer outra coisa, vamos ficar por
ali. Ficar por ali para sempre. Como se a nossa história estivesse a ser
narrada por um escritor conceituado, como se nada dependesse de nós e sim de
algo a que chamam de destino. Ele é o escritor conceituado da nossa história e
antes que as palavras acabem. Eu quero agradecer-lhe por ter feito de nós
personagens da mesma história.
P.s – Eu prometo que se o Destino deixar de escrever a nossa história, eu a continuo.
P.s – Eu prometo que se o Destino deixar de escrever a nossa história, eu a continuo.
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