Uma meia do tom da tua, outra do tom da minha.


Eu cresci. Sempre receei dizer isto, parecia tão imoral. Faz tempo desde que o conceito de crescer se altera a cada dia novo, todos os dias eu tenho vindo a crescer e só agora eu reparei na dimensão, em termos de pessoa, que me tornei. E bem, a verdade é essa, eu cresci. Achava que devia ser alguém a dizer-mo e não uma afirmação vinda de mim mesma, mas com o tempo eu fui percebendo que ninguém me conhece bem o suficiente para poder afirmar algo de tamanha importância, além de eu própria. Então, a realidade à cerca de mim, começa a fazer sentido quando sou eu a declará-la. Eu realmente cresci. E eu percebi isso todas as vezes em que depois de um dia preenchido de aulas, eu desci a rua estreita a caminho de casa e vi rostos tristes e depressivos. Expressões amargas e quase incapazes de esboçar um sorriso. Foram várias as minhas tentativas de receber sorrisos da parte daqueles corpos cientes em demasia da vida. Eu ri alto, fingi tropeçar e até cantei com o meu pior tom de voz, o natural. Mas não havia nada que mudasse aquelas manifestações de tristeza. Depois de eu o perceber eu decidi realmente compreender. Deixei de ver pessoas, passei apenas a ver os seus rostos e todos os dias que eu descia aquela rua e via as mesmas feições com as mesmas dores, eu olhava para o céu e imagina histórias. Histórias que justificassem todo aquele desanimo para com o mundo em geral. Aquela senhora que caminhava de cabeça baixa, olhos cansados como se eles próprios segurassem todo o seu corpo e aquelas rugas que não representavam de todo uma vida alegre, estava viúva e cheia de saudade, pois fazia tempo desde que não havia uma forma de recuperar o tempo que se foi perdendo. O senhor que havia sido avistado por mim ao longe, um chapéu-de-chuva que enquanto batia na calçada, marcava o compasso do seu tempo e fazia com que este soasse a melodia, um casaco castanho pesado e umas costas arqueadas como se durante toda a sua vida ele carregasse o peso do mundo. Ele carregava o peso da sua família. E mesmo com cada elemento em sua própria casa, ele continuava a importar-se mais com as suas doces filhas, a quem tanta vez cantou a música que era acompanhada pela melodia que o chapéu fazia, que com ele próprio. O casal de idosos que todas as tardes de quarta-feira se sentava naquele banco castanho durante 2 minutos e que mais tarde seguiam pela rua que nos leva aos correios, sem hesitarem um passo e respirando fundo a cada um, eles viviam na angustia de contas e números da qual pouco entendiam. Mais tarde, perto das 16 horas, na mesma rua, passava por mim a menina baixinha e morena de tranças finas que não sabia o nome do seu pai e dormia ao lado da sua mãe, sonhando com o dia em que ele voltaria da viagem a 'um país muito longe', a esperança de um abraçou começou a sumir e com isso a vontade de abraçar alguém sumiu também. O certo foi que nunca tive certezas de nada, nunca recebi a confirmação de todas as minhas histórias e talvez elas não sejam o que eu tanto especulei. No entanto, eu podia jurar ao mundo inteiro que a senhora de cabeça baixa, o senhor do chapéu-de-chuva, o casal do banco de jardim e até mesmo a menina das tranças finas tinham em comum aquilo que todos nós já sentimos. Dor. Por outras palavras, a chamada tristeza. Cresci porque pensei na hipótese de ser palhaço. Não me interessava com a sugestão de ser alguém ridículo e bizarro, com uma meia de cada tom ou um desenho diferente em cada perna das minhas calças, podia até pintar o cabelo de cor-de-rosa e calçar uns sapatos com dois números acima do que realmente me pertencia. Eu seria a razão de imensos sorrisos e não pediria uma única moeda em troca, porque não há moeda que compre um sorriso verdadeiro de um coração cheio de dores. Fui palhaço a vida toda, porque sempre insisti em arrancar sorriso e fazer deles algo verdadeiro. O medo de qualquer bom palhaço é que ninguém acredite nas suas lágrimas por achar que é apenas uma brincadeira. No inicio era de certo medo, mas mais tarde eu percebi que já ninguém acreditava nas minhas lágrimas. Então, tudo bem, porque eu sou de facto um bom palhaço.

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